quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Cuidado Perigo / Maurício Lara

Dizem que, de graça, até injeção na testa. Dizem também que achado não é roubado e que a ocasião faz o ladrão. Tudo bem que todos esses ditos populares se encaixam na situação ligada a saques de cargas em veículos acidentados nas estradas, mas o assunto exige uma reflexão maior, quando envolve produtos perigosos. É o caso das 17 bombonas de 20 litros de ácido fluorídrico, levadas por ninguém sabe quem depois que um caminhão capotou na região de Montes Claros.

Há quase duas semanas, as autoridades mais variadas emitem alertas e saem à procura das bombonas perigosas, temendo que algum desavisado tenha contato com o conteúdo ou mesmo que o produto seja abandonado em algum canto, ampliando ainda mais o risco. A curiosidade que mata até o monge pode levar ao mau uso e causar consequências trágicas. O ácido fluorídrico provoca queimaduras graves em contato com a pele e é fatal quando ingerido ou inalado.

Quem puxar pela memória vai lembrar que foi assim, em 1987, que o Brasil e o mundo lamentaram a tragédia provocada pela cápsula de Césio 137, abandonada em um hospital de Goiânia. Catadores de papel carregaram a máquina em desuso e a beleza do pó colorido que havia dentro da cápsula atiçou a curiosidade de comuns viventes, que se expuseram, aos montes, à radiação.


O desaparecimento do ácido fluorídrico denuncia duas situações distintas, mas interligadas. A primeira é essa tentação de levar para casa o que está caído no meio da estrada, tirando proveito da desgraça alheia. Um caminhão acidentado, uma carga que tem dono derramada, um motorista que, mesmo se não estiver ferido ou morto, pouco pode fazer e a sanha da turba. Combinação maléfica.

A outra situação exige ainda mais reflexão: os cuidados para o transporte de cargas perigosas no Brasil não parecem ser rigorosos o suficiente para impedir episódios como esse. Ora, acidentes acontecem. Enquanto o caminhão vai rodando direitinho, a carga está lá, supostamente bem acondicionada e sem colocar pessoas inocentes em risco.

Mas, quando qualquer coisa sai fora do script, é um Deus nos acuda. Com o ácido desaparecido, começa essa caçada sem pé nem cabeça, quase a busca de agulha num palheiro, com consequências imprevisíveis. Onde estará o ácido? Ninguém sabe, mas a pergunta seguinte é óbvia: como foi possível um produto tão perigoso desaparecer com essa facilidade?

Esse tipo de carga precisaria ter sempre um plano B, uma salvaguarda, especialmente se considerarmos que o brasileiro ainda não carrega essa noção do risco. Somos imprevidentes. Reparem, por exemplo, como é comum ver carros parados em bombas de abastecimento levando motorista ou passageiros com um cigarro aceso na mão. As placas avisando do risco parecem que sequer são lidas. E os frentistas ficam constrangidos em chamar a atenção do imprudente, por medo de desagradar o freguês. Até o dia em que um posto voa pelos ares.

Então, não basta que os caminhões tenham coladas na carroceria umas plaquinhas com o símbolo de carga perigosa. Quantas pessoas sabem exatamente o que significam aqueles símbolos? Somos imprevidentes e isso sempre tem de ser levado em consideração na hora de soltar pela estrada caminhões com essas cargas tóxicas, capazes de provocar tragédias ainda maiores do que o risco cotidiano de nossas rodovias. E para não termos de ficar torcendo para as bombonas de ácido aparecerem sem causar um mal maior.


Fonte: Jornal Estado de Minas, em 11/11/2010

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